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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

VENHO DA 21.ª CONFERÊNCIA DA DEUSA DE GLASTONBURY!



21.ª CONFERÊNCIA DA DEUSA DE GLASTONBURY 2016

Chegando a casa depois do mais alto momento do ano para mim, a Conferência da Deusa de Glastonbury. Sentindo-me como as antigas e os antigos adoradoras/es da Deusa quando iam participar nos Mistérios de Elêusis. Seis dias imersa na dimensão de Avalon, mais de seis, na verdade, porque enquanto Sacerdotisa do Círculo (designadas este ano por Trove Priestesses), mergulhei mais cedo na atmosfera da Conferência, aliás, estamos todas em estreito contacto há largos meses para juntas tecermos a teia de suporte, conexão e coesão que a nossa intervenção no evento representa.

Esta 21.ª Conferência, com Avalon como tema, foi particularmente fantástica e marcante, até por se ter fechado um ciclo e começado outro. Foi a última organizada por Kathy Jones, que numa cerimónia cheia de emoção, passou a pasta a Katinka Soetens, cuja vinda a Portugal esperamos que aconteça em breve, trazendo-nos o seu maravilhoso trabalho, tão profundo e transformador, e a Marion Brigantia, que também há de vir a seu tempo, já que, como Sacerdotisa e formadora de Sacerdotisas de Brígida, tem tudo a ver com o nosso território. Kathy Jones estabeleceu então formalmente uma linhagem de Sacerdotisas (não confundir com hierarquia). 

É muito difícil apresentar aqui assim tudo o que me maravilha nesta celebração da Deusa, mas vou tentar. Em primeiro lugar, a experiência de imersão num ambiente livre de patriarcado, numa zona não androcrática, em que o feminino está no centro. Isso é imenso e implica, por exemplo, uma extensão da vida ativa e vibrante duma mulher, bem como um profundo respeito por qualquer forma própria de ser de cada uma-a. Julie Felix é só o exemplo duma cantora já mais perto dos 80 do que dos 70, cujo brilho não feneceu, antes pelo contrário, aumenta a cada ano. 
 
Julie Felix é apreciada, acarinhada, incentivada por todas as gerações e por todos os géneros. A propósito de géneros, Starhawk soprou uma brisa de ar fresco na questão ao referir-se à “gender fluidity” e à “gender experimentation”… Mas voltando a Julie Felix, ela é uma joia preciosa na Conferência que nos maravilha a cada canção com o seu espírito vibrante e alerta e a sua alegria sábia e irreverente.

Igualmente a geração mais jovem é valorizada, amada e estimulada, como a deslumbrante Gabrielle O’ Connor, filha e neta das Sacerdotisas Sophie e Sally Pullinger, uma família de musicólogas muito inspiradas, da qual faz parte também o fabuloso Jerome O’Connor. A propósito de Gabrielle, foi ela que fez a belíssima apresentação do espetáculo de quinta-feira à noite, onde cantámos as canções de Sally Pullinger, que têm sido ouvidas ao longo das várias Conferências. Gabrielle evocou os momentos mais marcantes das Conferências anteriores, filtrados pelo crivo da sua memória, da memória de quem pôde e soube tomar consciência da enorme bênção de ter nascido e crescido num ambiente onde os valores da Mãe estão tão vivos e atuantes, um ambiente tão estimulador da criatividade e da expressão da individualidade de cada um-a. Como dizia uma das participantes do meu grupo, enquanto houver jovens como ela, há esperança para o nosso mundo.  

Outro aspeto que me encanta na Conferência da Deusa de Glastonbury é a qualidade das participações, graças às quais tanta informação e novas ideias recebemos. A brilhante intervenção de Starhawk, por exemplo, que insistiu na necessidade de o Movimento da Deusa assumir um engajamento mais político no verdadeiro sentido da palavra, lembrando-nos o quão determinante é para o nosso mundo um aspeto muito prático, por exemplo, como conhecermos as e os políticas/os em quem votamos e os valores que defendem. Enquanto pessoas que se consideram “espirituais” precisamos de ter os pés mais assentes na terra, afirma ela, e de estar mais atentas/os, para não acontecer por exemplo, que um-a candidato/a a favor da extração hidráulica de gaz de xisto, alta e irremediavelmente nociva para o planeta, seja preferido/a em relação a outro-a que é contra, como já aconteceu num lugar considerado até espiritualmente do mais evoluído… A sua palavra de ordem: “Go into de wild”, incentivando-nos a encontrar o nosso ser mais primordial e indomado.

What serves life will stand

What does not will fall

The power is in our hands

Love changes all

A letra da canção com que bailámos a sua famosa Dança em Espiral.

Digna de referência também a altíssima energia de Alisa Starkweather, criadora do Movimento da Tenda Vermelha. Fantástica energia capaz de mover mundos e montanhas, incentivando-nos a criar… comunidade!

E sempre, sempre uma bênção enorme poder respirar o mesmo ar da fantástica e fora deste mundo Carolyn Hillyer.
No drama sagrado da noite da abertura, o grupo cerimonial incorporou as Sacerdotisas do passado, que na iminência do desastre que foi a destruição dos antigos templos da Deusa e do Seu culto, escondem tesouros, que depois foram encontrados e desenterrados em cerimónia, pelo mesmo grupo sacerdotal, incorporando agora as Sacerdotisas do presente, a céu aberto, num terreno nas proximidades do Tor, ao ritmo dos tambores de Lydia Lyte, e outras, da voz de Julie Felix, de Kellianna, de Sally Pullinger e das nossas próprias vozes. Aí recebemos uma bênção especial da Senhora de Avalon para que saibamos tomar conta dos Seus tesouros; tesouros esses, com forma física, sim, mas sobretudo de enorme significado e carga espiritual, materializando os amorosos e sempre a favor da vida valores da Mãe, da MãeMundo, que precisamos de tornar centrais neste nosso planeta. Esses tesouros foram depois abençoados pelos quatro Elementos, no Chalice Hill, no Chalice Well, onde Iris Lican e Lila Nuit realizaram a sua bela performance,  e depois pelo elemento Fogo, em Bushy Coombe, na fogueira de Lammas, à volta da qual os vários grupos estrangeiros nos ofereceram deliciosas canções nas suas próprias línguas. Enquanto parte do grupo ibérico, cantei à Deusa solar Eguski e a Mari, Filha e Mãe, do País Basco.

Workshops na quinta à tarde, e esta é sempre a parte mais difícil porque queremos ir a todos e não podemos já que acontecem em simultâneo. Então segui o critério de escolher aqueles que mais se relacionam com a minha pesquisa, no caso, a Deusa Hel, da Suécia, por Ma Gita Fireswan Wigren, e Brigântia do Norte, por Lynne Harling, e ainda Starhawk.

Na sexta, jornada meditativa de 10 horas explorando a Ilha de Avalon nas profundidades do nosso inconsciente, com as suas montanhas e vales, lagos e florestas, jardins e recantos insuspeitos, onde tesouros, pérolas de autoconhecimento, autorrevelação, de insights e profecia nos trouxeram cura e integração de aspetos ignorados ou banidos da nossa consciência, transformação e crescimento pessoal. Pela manhã Kathy contara-nos a história da enorme aventura que representou a criação da Conferência e de tudo o mais por ela criado, com ajuda de outras pessoas, óbvio, entre as quais a do seu companheiro de 27 anos e atual marido, Mike Jones (apenas por “coincidência” o apelido é o mesmo).

 
Depois das comunicações de sábado de manhã, entre as quais destaco a de Luciana Percovich, da Itália, que nos recordou a importância da visão e do trabalho das grandes mulheres do Movimento da Deusa, com destaque especial para Mary Daly e para a sua obra “Quintessence… Realizing the Archaic Future: A Radical Elemental Feminist Manifesto”, lembrando-nos a  urgência de passar à fase seguinte: maior concretização dos nossos sonhos e visões no plano físico.

Workshops à tarde e pela tardinha o fabuloso Baile de Máscaras, em que cada um-a mostra a face duma Deusa, ou dum Deus, à sua escolha. Sim, como nos antigos Mistérios da Deusa, momentos de profunda interiorização, lágrimas, comoção, alternam com outros de grande extroversão e alegria, de pura diversão – o que não for divertido não é sustentável…

As artes e os ofícios de mulheres de imenso talento são outro dos tópicos fortes deste evento.

No domingo de manhã a procissão animada, colorida e exuberante, no meio da qual encontrei um grupo muito animado de irmãs portuguesas, subiu pela High Street de Glastonbury até ao alto do Tor. Depois a cerimónia de transmissão do poder de criar e de manifestar a Conferência, de Kathy Jones para Katinka Soetens e Marion Brigantia, após o que foi o fecho, com especial reconhecimento e agradecimento pela participação e colaboração do grupo dos maravilhosos homens da Deusa, cada ano mais numeroso, e finalmente a despedida.

Muitas pessoas deixaram a cidade na segunda-feira de manhã, mas mesmo assim a bela cerimónia de Lammas, extra-conferência, no interior do Goddess Hall (chovia copiosamente fora), foi muito concorrida. As abelhas, em gratidão pelo seu papel para que a vida seja possível neste planeta, estiveram no centro desta celebração, em que me coube invocar as energias da Deusa Mãe e da Senhora de Avalon.

Custa regressar à realidade ordinária? Se custa… mas por outro lado quanta inspiração, renovação, entusiasmo, transformação, pela profunda exposição à e imersão na energia da Deusa! Abençoada seja,

abençoada me sinto. Que a chama continue acesa nos nossos corações.

Imagens: 
1.Kathy Jones na sessão de abertura
2. Julie Felix em Avaloka
3. Com Sally Pullinger e Gabrielle O' Connor
4. Com Alisa Starkweather
5. Com Luciana Percovich e Erin McCauliff  (minha querida formadora na primeira e na segunda Espiral em Avalon)
6. Marion Brigantia mostrando-nos o vestido criado pela artista plástica Tiana Pitman , que foi leiloado a favor duma obra social no evento (fotos de Marion Brigantia)
7. Com Alex Reyes-Ortiz, Sacerdote de Avalon do México
8. Marion Brigantia e Katinka Soetens(foto de Sarah Perini)