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terça-feira, 1 de maio de 2018

CANTIGAS DE AMIGO – um caso de usurpação de propriedade intelectual


Tão óbvio, não?… como é que não conseguimos ver antes?...
 
Ria Lemaire é uma académica de origem holandesa, ligada à universidade de Poitiers, França, que há largos anos estuda a tradição poética medieval galaico-portuguesa das Cantigas de Amigo e que desenvolveu uma tese de doutoramento sobre elas e a sua autoria. O que descobriu na sua investigação, surpreendentemente, choca com a análise oficial que todos os dias se ensina aos alunos e às alunas de literatura das nossas escolas, ou seja, que nelas o sujeito poético, quem fala, é uma mulher, mas quem compõe é o trovador… na verdade, o estudo de Ria Lemaire prova que, pelo menos em grande parte dos casos, o trovador apenas recolhe uma tradição oral feminina, imbuída de vestígios da antiga religião pagã, passa-a da oralidade à escrita e assina por baixo com o seu próprio nome… um caso de pura usurpação de propriedade intelectual…
   
“Quando comecei a estudar português, encontrei as Cantigas de Amigo e nelas reconheci imediatamente as pegadas da minha própria tradição alemã e holandesa, que também começa com antigos fragmentos de canções femininas. Notei porém que aqui essas canções eram atribuídas aos grandes trovadores da época, e fiquei espantada. Supõe-se que esses autores com uma genial intuição da alma feminina teriam colocado essas músicas na boca das mulheres para explicar os seus sentimentos…”

A análise de Lemaire também muda a nossa perspectiva sobre a mulher na Idade Media.

“Não são mulheres chorosas, infelizes e traídas por homens. Elas surgem nas cantigas como agentes ativos. O verbo mais usado é “ir”, trata-se de pessoas que procuram ativamente o seu namorado com metáforas que falam de desejo feminino e da necessidade de o satisfazer. Aparece uma mulher sexualmente activa, que sabe o que quer fazer e o que vai fazer. Isto revela uma cultura diferente daquela que nos é normalmente ensinada, e que também está muito relacionada com a cultura que havia na altura no resto da Europa. As mulheres nem sempre foram aquilo que a sociedade burguesa do XIX considerou que foram.”

Reportagem desenvolvida aqui neste jornal galego:

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